Contos II - Lendas

Após a luta entre Nomi-No-Sukune e Taima-No-Kehaya o interesse pela luta corpo-a-corpo se intensificou e várias escolas diferentes de lutas surgiram. Três contos explicam como se desenvolveu o Ju-Jutsu no Japão, todos situados entre os séculos XIV e XVI. Essas sedutora descrições tem, com certeza, algumas verdades históricas.

As Cerejeiras e o Salgueiro


Próximo a Nagasaki vivia um médico-filósofo chamado Yoshitoki-Akyama, que estava convencido que a origem dos males humanos estava na má utilização do corpo e do espírito. Akyama então viajou para a China onde se dizia que as técnicas terapêuticas faziam milagres. Estudou os princípios do Taoísmo, da Acupuntura e algumas técnicas de Wu-Shu a luta chinesa de projeções, golpes e luxações, criado tanto para o restabelecimento mais rápido dos doentes como para o desenvolvimento harmonioso do corpo.

Voltando ao Japão, Akyama ensinou muitas técnicas de reanimação para os seus discípulos e também alguns ataques que visavam pontos vitais. Ele havia entendido o princípio positivo da filosofia Taoísta, e suas aplicações práticas tanto na medicina quanto na luta. Ao mal, ele opunha o mal, à força, a força, mas no caso de uma doença grave, ou difícil de diagnosticar, ou um adversário muito mais forte, os princípios chineses falhavam.

Desanimados, seus discípulos começaram a abandoná-lo e chocado com o próprio desempenho, Akyama se retirou para um pequeno templo e impôs a si próprio uma meditação de cem dias, com o objetivo de descobrir como agir ao se deparar com grandes dificuldades.

O espírito de Akyama meditou sobre tudo, a filosofia chinesa, o Ying e o Yang, a acupuntura e claro todos os métodos de combate, mas a questão final que o torturava era, “Se uma vez que ataco, sou positivo, quando atacado, sou negativo. Opor uma força a outra força só é válido quando a minha for superior, então como posso vencer quando mesmo tomando a iniciativa, sou mais fraco que meu oponente?

Em uma manhã nevava no jardim do templo e Akyama ouvia o estalido dos ramos das cerejeiras quebrando sob o peso da neve, do outro lado de um rio um salgueiro curvava os seus ramos, mas o tronco flexível logo derrubava a neve e voltava à posição original. A solução surgiu clara como a neve que ele via!

O segredo estava na flexibilidade, à força não deve opor-se outra força, pois assim a mais forte vence, mas se ao contrário, à força não nos opormos, mas sim nos adaptarmos, não opondo força alguma, a força inicial não encontrará apoio e assim será excessiva.

Se um assaltante nos empurra, e ele for mais forte, não adiantará fazer-lhe oposição, pois seremos com certeza derrubados ao chão. Mas se ao invés de nos opormos, nós cedermos rapidamente com um recuo, o nosso adversário não encontrará apoio e irá se desequilibrar, caindo a nossos pés, será como tentar arrombar uma porta aberta, outro caso, seria se ele nos puxar com força, o melhor nesse caso será acompanhar o sentido da tração, e então no momento que ele desequilibrar, derrubá-lo sem muito esforço.

Yoshitoki-Akyama aperfeiçoou os ataques e a defesa, na luta corpo-a-corpo e criou algumas centenas de golpes. Os seus discípulos propagaram os ensinamentos sob o nome de Yoshin-Ryu ou “Escola do Coração do Salgueiro”.

* No livro "O Judô" de Luis Robert de onde tirei o conto, o médico chama-se Shirobei-Akyama, na Wikipédia lendo sobre a história do Yoshin-Ryu vi o nome do fundador como Yoshitoki-Akyama, escolhi a segunda opção por encontrar em sites internacionais essa denominação.

O Temível Segredo do Monge Chinês



Em 1650, um bonzo (espécie de monge errante) chinês, instalou-se no templo Kokushoji, na região de Edo, hoje Tóquio. o nome dele era Chen Yung Ping, era finamente letrado e propunha-se a ensinar caligrafia aos japoneses cultos. Vivendo sozinho e num quarto isolado do templo, o curioso bonzo nunca era visto a não ser nas horas das aulas.

Naquela época Edo era a capital militar do Japão, e por isso mesmo, sempre visitada por Samurais de todos os tipos, Equivalentes aos cavaleiros medievais seguiam o rigoroso  código Bushido, "Caminho do Guerreiro", um código de conduta e modo de vida para os Samurais (Bushi) vagamente semelhante ao conceito de cavalheirismo, mas diferente deste seguido a risca, e que define os parâmetros para os Samurais viverem e morrerem com honra.

Entre os Samurais , uma classe inferior estava encarregada de fazer muitas vezes o papel de "força de ordem", entregando-se assim a numerosos combates corpo-a-corpo.

Uma noite, em 1658, três Kachis, portando sabres, mas não montados estavam escoltando Chen Yung Ping pelas escuras e perigosas ruas de Edo. O monge retornava após dar aulas a um alto funcionário do Shogun que praticamente o obrigou a aceitar a escolta para que nada de mal lhe acontecesse na volta para o templo.

Quando os pequeno grupo atravessava as muralhas da cidade, foi atacado por bandidos, rapidamente os três Kashis desembainharam os sabres e rodearam o bonzo. Seguiu-se uma violenta batalha campal, alguns dos bandidos estavam armados com cacetes e outros com punhais. Depois de um combate duro os Kachis foram desarmados e a única alternativa era a luta corpo-a-corpo, então o impensável aconteceu.

Rápido como um relâmpago, o pacífico monge chinês se lançou contra os agressores, com uma habilidade incrível derruba uma dos bandidos, depois outro e mais outros. Surpresos e assustados os outros bandidos fugiram aterrorizados.

Espantados, os três Samurais não conseguiam acreditar no que havia acontecido, cheios de admiração pelo bonzo, o acompanharam até o templo pedido o tempo todo para o monge lhes ensinar o segredo de sua força, mas durante todo o caminho Chen Yung Ping permaneceu calado. Chegando ao destino, saudou cerimonialmente seus guardiões e retirou-se.

Mas os três Kachis não desistiram e adormeceram ali mesmo, na porta do templo. Na manhã seguinte, foram se encontrar com o bonzo e renovaram seus pedidos, o sábio sorriu e respondeu que a sua arte não era para espíritos simples, mas para aqueles que tem almas fortes.Os Samurais insistiram falando de suas determinações e coragens. Vendo o entusiamo dos três Kachis, Chen Yung Ping os aceitou como discípulos e após um longo período de instrução, chamou cada um dos discípulos e no maior segredo ensinou a cada um, um método diferente. Ficando um especializado em projeções (Nage-Waza), outro em luxações (Kansetsu-Waza) e o terceiro nos golpes aplicados nos pontos vitais (Atemi-Waza).

Depois do longo período de treinamento os três saíram pelo Japão, espalhando seus conhecimentos.


A Visão de Takenuchi



A primeira vista essa história parece não ter relação com o combate corpo-a-corpo, como você vai perceber, mas depois de conhecer a origem dessa importante escola vai perceber como ela que influenciou e muito o Ju-Jutsu antigo.

O fundador dessa escola se chamava Takenuchi Hisamori, e ele era excelente no Jo-Jitsu, a Arte do Bastão. Querendo aprimorar ainda mais sua técnica, ele se retirou para um templo perdido nas montanhas, onde se dedicou a estudar e treinar a técnica de ataque, exercitando o atacando uma grande árvore. De pé, arma ao lado, ele se concentrava e se deslocava-se rápido até perto da árvore, atacava então com força e rapidez. O ataque não deveria durar mais do que uma fração de segundo.

Esta forma de Uchi-Komi era um exercício físico e psicológico, e depois dele observar a forma correta de se deslocar e atacar com precisão, começou a fazer os exercícios num estado de Vacuidade Mental, que seria algo como uma mente vazia, mas ao mesmo tempo preparada para tudo e não desligada.

Entregava-se a este exercício por horas e sem descanso, até que numa tarde completamente exausto, deixou-se cair perto da árvore e adormeceu. Foi então que um misterioso monge apareceu e explicou ao adormecido Takenuchi que ele deveria reduzir o tamanho do bastão para obter mais velocidade e precisão e mostrou como se deslocar aproveitando o erro do adversário e empregando ou um bastão curto ou uma espada pequena, terminando por ensinar-lhe ainda 5 formas de imobilizar seu oponente.

Depois dessa aula, o estranho monge desapareceu. Na realidade, durante o sono, o cérebro de Takenuchi acabou por operar a síntese de todos os reflexos acumulados pela experiência. Takenuchi não demorou a aplicar todo o conhecimento adquirido e a criar o Gokusoku, a Arte de Combater sem Armadura. Essas técnicas permitiram o desenvolvimento de artes marciais como o Aiki-jitsu, o Tambô e outras e sua influência no Ju-Jutsu foi inegável.

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